Vermelha flor de Deus, meu coração...
Suas pe’talas de eu sentir tem jeito
De ter a cor da minha sensação...
Arranquem-mo: é vermelho, e o seu efeito
De existir é esta vida, a confusão
De bem e mal que no meu ser eleito
De brumas faz e invasão.
E essa vermelha flor de Deus, meu coração,
Que na sombra floresce e no mistério
Entrega, vibração a vibração,
Seu ao sidério
Que a espreita do silêncio da amplidão.
*
Lírios... Meu nome é sombra nos teus olhos...
Não pertenço senão a não ser teu...
A barca do meu ser tem seus escolhos
No teu silêncio leve como um véu...
*
A cor do teu olhar está longe, muito longe...
Como o teu gesto poeira parada no ar
Dentro de mim... E a Hora nunca é de Hoje
Para quem não consegue imaginar.
Leves teus dedos sobre o alvo teclado
Que eu sonho sob seu gesto alado e leve,
Pianíssimo reflectem o sagrado
Anseio que eu encontro ao que esteve
Sempre àquem do meu ócio perfumado.
*
As minhas sensações vestem de preto
Seu luto e pela dor de eu mal as ter...
Conservo o tédio, como um secreto
E afirmo à sombra a luz do meu viver.
*
Deus, girassol de assombro e pensamento
Alto e ouro floresceu no meu jardim...
Por quantas alamedas passa o vento
Chorando não lhes encontrar um fim?
*
Ah, abertas as portas! E o lamento
Do meu cansado coração, afim
A tu seres o nexo poeirento
Entre o meu horizonte E mim.
*
O reflexo vão da sua sombra vai
Pôr cortinas de seda em minha mente...
Medievais as rosas vitralmente...
Cavaleiros andantes sossegai
Vossa dor barco à da corrente!
Flor murchando, verdadeiramente.
espaço deixado em branco pelo autor
3 - 1 - 1915
In Poesia 1902-1917 , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005
In Poesia 1902-1917 , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2005
-F
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