sábado, 12 de abril de 2014

Esperança


Olá, finalmente trouxe o conto :D Espero que gostem.
Já agora um aviso, nós criamos uma página no face sobre leitura. Passem por lá, por favor. Link: https://www.facebook.com/leiturassecretas?ref=hl
 
Aqui vai uma música para acompanhar o início da leitura:
 
 
 
 
 
 
-Tenho medo papá. – Chorei encolhendo-me no colo do meu pai.

-Porquê minha pequenina? – Sorriu calorosamente.

-Tenho medo que a mamã nunca mais volte do médico.

-A mamã vai ficar bem princesinha. – Assegurou o meu pai com uma lágrima no canto do olho.

 

Estava de volta a este hospital horrendo, a esta mesma sala de espera enquanto recordava a lembrança de quando a minha mãe soube que tinha cancro e que só tinha quatro meses de vida. Esta sala parecia estar mais alegre do que á vinte anos atrás. Também era de esperar. Estamos quase na época natalícia, só faltam dois meses para o Natal, mas mesmo com estas decorações e a faixa pendura em cima do balcão de informações a desejar um feliz ano de 2450, a sala cheirava a doença, a tratamentos, a vidas desperdiçadas, a novas vidas, a vidas prolongadas, a pessoas recuperadas, a pessoas em sofrimento e a esperança, apesar de não ser nada fácil estar ali.

Tal como eu, várias pessoas estão dependentes de tratamento contra uma doença qualquer. No meu caso é cancro nos pulmões, tal como a minha mãe. Tenho vinte e seis anos, sou uma mulher feita. Tenho um trabalho, uma casa e um pai. Nada de irmãos, irmãs, primos, tios e por aí em diante. Só sou eu e o meu pai, mais ninguém. Sou o que se pode chamar de bem-sucedida no seu próprio trabalho.

 Observei um pequeno robô de um metro. Parecia uma pessoa, melhor, um anão. Continuei a observá-lo. O robô mudou o programa que estava a dar numa televisão incorporada na parede. Deu meia volta e desapareceu na esquina.

-Valéria Nunes. – Chamou uma voz masculina pelo altifalante transparente colocado na parede. – Consultório quatro.

-Pai. Fica aqui. Eu vou sozinha. – Sorri e dei-lhe um beijo na testa.

-Tudo bem pequenina. – Tantos anos que se passaram e o meu pai ainda não me deixara de  chamar pequenina.

Peguei na minha mala e dirigi-me para o consultório. Bati à porta e ouvi a mesma voz masculina. – Entre.

Entrei e vi que não era o médico que seguia o meu caso. – O Dr. Silva não está?

-Está doente. Eu vou substituí-lo. Sente-se. – Ordenou apontando para as duas cadeiras que tinha à frente dele. – Estive a ler o relatório do Dr. Silva sobre si vezes sem conta. Devo dizer que fiquei intrigado por não querer ser operada. – Calou-se como se estivesse à espera de uma explicação.

-Sim. – Olhei para a placa onde tinha o nome dele preso à bata. Chamava-se Nuno Rodrigues. – Não quero fazer a operação. 

-Porquê? – Perguntou passado alguns segundos.

-Se fizer a operação tenho sessenta por cento de possibilidade de morrer. – Olhei para os meus pés. – É uma probabilidade muito grande. Não posso morrer rapidamente. Tenho de cuidar do meu pai…

-Mas também se não a fizer morrerá de certeza! – Falou duramente.  

-Talvez consiga melhorar com os novos tratamentos… - Tentei sorrir.

-Talvez... Mas não é certo. – Não moveu nenhum músculo da cara. – Esta operação é delicada. É das novas cirurgias, ainda não foi muito experimentada. Aposto que se a fizer conseguirá sair do bloco operatório com o pulmão completamente regenerado.

-Mesmo assim é uma probabilidade muito alta… Não posso decidir assim, tenho de pesar as coisas. – Olhei-o nos olhos azuis.

-A senhora é que sabe. Ninguém a pode obrigar. – Começou a mexer nuns papéis. – A sua nova consulta está marcada para de hoje a quinze dias. Enquanto isso continue a fazer o tratamento com os medicamentos em casa e tem de vir ao hospital dia sim, dia não para fazer um tratamento ainda mais extensivo. – Começou a escrever num papel. – Aconselho-a a não fazer grandes esforços, a por baixa no trabalho e a descansar muito. – Olhou para mim de novo com um ar de preocupado. – Se tiver muitas dores tome isto. – Passou a receita para a minha mão.

-Obrigado. – Meti dentro da minha mala. – Bom fim-de-semana. – Levantei-me e sai do consultório.

Dirigi-me para a beira do meu pai. Ele estava a falar com uma senhora já idosa e estava a ajudá-la a levantar-se. Quando me viu sorriu e apontou para mim, para a senhora ver quem era. Aposto que estava a dizer coisas como por exemplo: é aquela a minha menina, tem os olhos da mãe, é linda como a mãe. São coisas que o meu pai dizia sempre às pessoas.  

-Paizinho. Vamos embora? – Sorri debilmente.

-Sim minha filha. Vamos lá. - O meu pai despediu-se da senhora, pegou no seu casaco e agarrou-se ao meu braço. – Como foi a consulta? O que o Dr. Silva disse? 

-Não foi o Dr. Silva, foi outro médico. E ele disse que eu estava a recuperar bem. – Menti ligeiramente e para reforçar a minha mentira, sorri. – Por acaso disse que sou capaz de viver mais uns anos se for bem cuidada.

-Já não precisas de fazer a operação? – Olhou-me desconfiado.

-Não. 

-Porque me mentes tão descaradamente Valéria? Eu conheço-te. – Entregou os cartões do hospital no balcão. – O que realmente o médico disse? 

-Pai… Deixa lá, eu vou melhorar! – Sorri e pus o meu braço à volta dos ombros dele. – O que interessa é que ainda vais aturar-me durante mais algum tempo!

-Val, por favor, não digas como se fosse pouco tempo. – Parou-me e agarrou-me os ombros. – Promete-me que vais fazer a operação!

-Pai, não é assim tão fácil…

-Porra, promete-me! – Berrou comigo já meio alterado. – Promete!

-Está bem, eu faço a operação quando não houver mais nada. Quando as coisas estiverem a ficar realmente pretas eu faço a operação. – Comecei a chorar. O meu pai abraçou-me fortemente e acariciou-me a cabeça.

-Pronto pequenina, já passou. Vamos embora daqui.

Caminhamos por mais um bocado até chegarmos ao carro. O meu pai passou-me as chaves e deixou-me guiar até casa. Nossa, adorava carros e motos. Deslizavam tão bem na sua maneira flutuante pelas compridas estradas.

 

                                                               ********************

 

 Eram 6h30 da manhã de um domingo. Não tinha conseguido dormir nada. Revirei-me durante toda a noite de um lado para o outro. Não sabia o que fazer. Desci até á cozinha para ir beber um copo de leite frio. Tentei passar o maior tempo possível a fazer alguma coisa, a lavar a cozinha, a casa de banho, a regar as plantas e mesmo assim ainda não tinha passado muito tempo. Eram só 8h da manhã.

Estava farta de estar em casa, portanto vesti uma roupa confortável, peguei nuns livros infantis da estante e guiei até o hospital. Dei entrada no balcão e segui para a ala das crianças doentes. Fui buscar algumas crianças ao quarto e aconcheguei-as na sala de divertimento. Puxei uma cadeira e comecei a ler-lhes algumas histórias. Á medida em que fui lendo, muitas mais crianças e enfermeiras juntaram-se a minha volta só para escutarem por um bom momento a história. – E, assim, a Bela e o Monstro viveram felizes para sempre. – Sorri para todos. As crianças começaram a pedir outra história e a seguir mais outra, até que fiquei sem nenhum livro para ler. Depois de prometer que voltava lá com mais histórias reparei que estava quase na hora do almoço.

Olhei em volta e as crianças já estavam a voltar para os seus quartos, menos uma. – Olá pequenina, como te chamas?

-Cristina. – Olhou muito timidamente para o chão. – Muito obrigado por ter vindo cá visitar-nos. – Deu-me um abraço rápido e correu de volta para o seu quarto.

-Ela é muito tímida. – Falou uma voz masculina um pouco familiar. – Quase nunca fala com ninguém. – Olhei para trás. – O que faz aqui senhora Valéria? Pelo que me pareceu tem um pouco de nojo por hospitais.

-Estava às voltas em casa, pareceu-me bem vir para aqui visitar algumas crianças Dr. Rodrigues. 

-Tenho a certeza que elas todas ficaram muito contentes. – Sorriu.

-Sim, talvez… - Tentei sorrir. – O que faz aqui?

-Também vim visitar algumas crianças. Principalmente a Cristina,- riu um pouco perante a minha cara de confusa – é a minha única sobrinha.

-Ah, que ela tem? – Inclinei a cabeça

-Se me acompanhar no almoço, eu conto-lhe.

-Tudo bem. – Respondi intrigada pelo problema daquela criança.

Caminhamos em silêncio lado a lado, primeiro até fora do hospital e depois até um pequeno restaurante a um quarteirão de distância dele. O restaurante, como já disse, é pequeno, mas muito confortável. As suas paredes são de cor bege e castanhas. Tem mesas e cadeiras de madeira espalhadas pela sala. Sentamo-nos numa mesa perto do balcão.

-Então, - tossi um pouco para chamar a atenção dele – qual é o problema de Cristina?

-O que vai escolher? – Sorriu e voltou a olhar para a ementa.

-Só uma sopa, mais nada.

-Só isso? Deveria comer mais, com os seus tratamentos… Deveria de se alimentar melhor! – Olhou preocupado.

-Não tenho fome, não se preocupe. – Sorri a emprega que se aproximou e pedi um prato de sopa e um copo de água enquanto o Dr. Rodrigues pedia o que queria.

-Então, já me pode contar?

-A Cristina tem cancro no estômago. – Olhou sem nenhuma emoção visível. – Ela não tem muitas forças, por acaso, hoje foi um dos dias melhores dela… Ela não tem muita esperança de recuperação. – Bebeu um pouco da sua água. – O que fez hoje pelas crianças foi fantástico… Eles adoraram!

-Vou ver se consigo vir visitá-los mais vezes. – Sorri. – Gostei bastante deles!

-E eles de si. – Sorriu também.

Ficamos em silêncio até ao fim da refeição. Voltamos para o hospital e decidi ir, outra vez, até a ala de pediatria.

-Qual é o quarto da Cristina? – Perguntei sem olhá-lo nos olhos.

-Eu levo-a lá. – Acenou com a cabeça para eu o seguir.

Cristina estava deitada de lado na cama, não estava a dormir, mas estava calma como se estivesse a dormir.

-Cristina? – O tio chamou por ela. – Tens uma visita, querida.

Cristina levantou-se a custo da cama e ficou surpreendida quando me viu. Ela sorriu e chegou-se um pouco para a borda da sua cama flutuante e eu, como resposta, sentei-me na borda adjacente da sua cama.

-Olá. – Sorri. – Trouxe-te uma coisa…

Procurei na minha mala o medalhão e olhei para ele antes de o entregar. Ia-me custar dar-lho, pois foi o medalhão que a minha mãe me tinha dado para me proteger, mas, neste momento, Cristina precisava mais do que eu. Era um pequeno medalhão em prata com a imagem de Jesus Cristo.

-Este medalhão foi a minha mãe que mo deu antes de falecer… - Sorri perante as lágrimas daquela inocente e esbelta miúda. – Ela disse-me algo parecido com o seguinte: este medalhão vai ajudar-te, vai dar-te esperança! Acredita nele e conseguirás alcançar o que mais desejas.

-Não posso aceitar, foi a sua mãe que lho deu… - A menina choramingou.

-Aceita. Por mim já nada mais tem a fazer. – Puxei a mão dela e abri-lhe aqueles pequeninos cinco dedos e depositei lá a pequena peça. – Trata-me por tu. Chamo-me Valéria.

-Obrigado Valéria. – Cristina abraçou-me fortemente e por uns minutos ficamos assim abraçadas.

-Tenho de me ir embora. – Afastei-me um pouco. – Tenho o meu pai à minha espera em casa. – Dei-lhe um beijo de despedida no rosto.

Levantei-me e vi que o Dr. Rodrigues estava a sorrir, sorri de volta. Peguei na minha mala e quando ia a sair pela porta, a voz trémula da menina chamou-me.

  -Sim? – Virei-me para ela.

-Vais voltar a visitar-me?

-Claro que vou! – Sorri alegre pela pergunta da menina. – Óbvio que vou! Fiquei encantada por ti! – Pisquei-lhe o olho. Cristina sorriu e voltou a deitar-se mais para baixo em posição fetal.

Já estava a chegar ao meu carro quando senti alguém puxar-me o braço. O Dr. Rodrigues estava a agarrar-me.

-Mais uma vez, obrigado. – Sorriu. – Significou muito para ela.

-De nada Dr. Rodrigues.

-Trata-me por Nuno. – Nuno ainda não tinha largado o meu braço. – Posso tratá-la por Valéria?

-Sim. Podes. – Sorri de volta.

 -Quando é que te volto a ver? – Nuno perguntou.

-Na próxima consulta…

-Não vai haver próxima consulta. – Largou-me e olhou para o chão. – Sou só um substituto para os pacientes do Dr. Silva, mais nada.

-Então acho que não nos voltaremos a ver. – Suspirei ruidosamente.

-Mas eu quero voltar a ver-te Valéria. – Ficou pensativo e eu tentei não olhar para ele. – Que tal no próximo sábado irmos jantar?

Olhei para ele e ele estava a sorrir esperançoso. – Sim…

-Então eu depois entro em contacto contigo para combinarmos melhor como vai ser.

-Tudo bem. – Entrei dentro do carro depois de me ter despedido dele.

 

                              

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Faltam só três semanas para o Natal e cada vez mais estou a sentir-me mais fraca. Cada dia que passa começa a ficar insuportável levantar da cama. As dores alastraram-se por todo o meu corpo, tanto internamente como externamente. Às vezes, acordo de manhã e não consigo distinguir o escuro do claro. Tem sido semanas insuportáveis. No meio disto tudo, só uma única pessoa conseguia tirar-me de casa. Um homem com os seus trinta anos, de olhos azuis e loiro. Era Nuno. Ele é simplesmente fantástico e atencioso comigo. Ele zela pela minha vida. Faz mais do que devia. Não posso negar que não tenho sentimentos por ele, porque eu tenho! Ele tem insistido comigo para eu fazer a operação, mas eu não tenho a certeza.

Comecei a ter uma dor aguda por todo o corpo e caí ajoelhada no chão da sala. Só ouvi o meu pai a chamar por mim e depois, perdi os sentidos completamente.

 

 

********************

 

Abri os olhos e deparei-me com um teto branco. Olhei para o lado e o meu pai estava sentado na cadeira ao lado da cama e estava a falar com o Nuno.

-Que se passou? – Perguntei confusa e fracamente.

-Tiveste um ataque e foste operada. – Foi o Nuno que falou. – E saíste com um pulmão regenerado. – Sorriu. – Funcionou! Não tens mais cancro!

-Que dia é hoje? – Tentei assimilar a informação toda dentro do meu cérebro.

-Dia 24 de Dezembro. Estiveste em como quase três semanas. Foi a pior parte.

-Ah… Bom… - Olhei confusa para eles. - Daqui a quanto tempo é que tenho alta?

-Esse é outro ponto mau, só daqui a algumas semanas é que podes sair.

-Tanto tempo! – Olhei outra vez para o teto.

-O que interessa é que estás viva, minha filha. – O meu pai sorriu.

 

                              

                                                               ********************

 

 

Era uma da manhã do dia de 25 de Dezembro, dia de Natal. O meu pai já tinha ido embora à meia hora atrás e ainda não tinha conseguido adormecer. Tinha sido um dia exaustivo. Por menos estava recuperada.

-Valéria? – Nuno chamou-me na porta de entrada.

-Sim?

-Vamos dar uma volta, é dia de Natal. – Sorriu e tinha na mão umas quantas mantas. – Vais ter de estar quentinha para irmos lá fora. – Aproximou-se da minha bomba de oxigénio e pô-la em modo de flutuar. Pegou em mim e pôs-me numa cadeira de rodas e levou-me até a uma ponte por cima de um rio.

A noite estava linda apesar do frio de rachar. A lua estava lá no alto com aquele prateado brilhante. Era uma simples paisagem magnífica.

Nuno sentou-se na beira da ponte e ficou a observar-me durante uns longos minutos.

-Vais falar comigo? – Sorri. – Ou só vais ficar ai a olhar-me?

-Vou-te dar uma prenda… - Sorriu de volta. – Espero eu!

-Uma prenda? – Perguntei desconfiada.

Nuno ajoelhou-se diante de mim e pegou na minha mão. Reparei nuns quantos fios de cabelos brancos e sorri. Tantas vezes lhe tinha dito que estava velho.

-Não tens a noção de como foram as últimas semanas… - Brincou com a minha pequena mão. – Tinha medo que nunca mais acordasses. – Suspirou. – Adoro tudo em ti, Valéria. Quero ficar contigo para sempre! – Com a mão livre, Nuno tirou uma pequena caixa de dentro do casaco e abriu-o. – Casa-te comigo.

Olhei para a caixa que continha um bonito anel de noivado e comecei a chorar. – Sim, caso. – Sorri radiante. Nuno agarrou-se a mim num abraço de urso e deu-me um longo e profundo beijo.
 
 
 
Então? Gostaram? :D
 
-F

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